sábado, 9 de junho de 2012


1530 em diante — protestantismo — é uma reforma?

“Inovar não é reformar.” — Edmund Burke, do século 18, membro do Parlamento da Grã-Bretanha
OS HISTORIADORES protestantes consideram a Reforma protestante como tendo restaurado o genuíno cristianismo. Os peritos católicos, por outro lado, afirmam que ela resultou em erros teológicos. No entanto, o que revela o espelho retrovisor da história religiosa? Foi a Reforma protestante realmente uma reforma, ou foi simples inovação, substituindo uma forma de adoração falha por outra?

A Palavra de Deus Ganha Condição Especial

Os reformadores protestantes sublinharam a importância das Escrituras. Eles rejeitaram as tradições, embora Martin Marty, editor-sênior da revista The Christian Century, diga que, neste último século, “cada vez mais protestantes se mostraram dispostos a ver a relação entre a Bíblia e a tradição”. Contudo, isto não se dava com seus “ancestrais na fé”. Para eles, “a Bíblia tinha uma condição especial, e a tradição ou a autoridade papal jamais poderiam igualá-la”.

Esta atitude acelerou o interesse na tradução, distribuição e estudo da Bíblia. Em meados do século 15 — mais de meio século antes de as rodas da Reforma começarem a girar — João Gutenberg, que também era alemão, como Lutero, forneceu ao protestantismo ainda em gestação um valioso instrumento. Tendo inventado um método de impressão com tipos móveis, Gutenberg produziu a primeira Bíblia impressa. Lutero viu grandes possibilidades neste invento, e chamou a impressão de “a última e melhor obra de Deus para disseminar a religião verdadeira por todo o mundo”.

Mais pessoas podiam então possuir a sua própria Bíblia, algo que a Igreja Católica não aprovava. Em 1559, o Papa Paulo IV decretou que nenhuma Bíblia podia ser publicada no vernáculo sem a aprovação da igreja, e isso a igreja se recusava a dar. Com efeito, em 1564, o Papa Pio IV declarou: “A experiência demonstra que, se se permitir de forma indiscriminada a leitura da Bíblia na língua vulgar, . . . disso surgirá mais dano do que bem.”

A Reforma produziu um novo tipo de “Cristianismo”. Substituiu a autoridade do papado pelo livre-arbítrio do indivíduo. A Missa católica foi substituída pela liturgia protestante, e as impressionantes catedrais católicas pelas igrejas protestantes, normalmente menos pretensiosas.

Benefícios Inesperados

A História nos ensina que os movimentos de natureza originalmente religiosa muitas vezes assumem conotações sociais e políticas. Foi isto que se deu com a Reforma protestante. Eugene F. Rice Jr., professor de História da Universidade de Colúmbia, explana: “Na Idade Média, a Igreja Ocidental tinha sido uma empresa européia. Na primeira metade do século dezesseis, ela se dividiu em grande número de igrejas territoriais locais . . . [sobre as quais] os governantes seculares exerciam controle predominante.” Isto resultou na “culminação da longa luta medieval entre a autoridade secular e a clerical. . . . O equilíbrio de poder oscilou decisiva e finalmente da igreja para o estado, e do sacerdote para o leigo”.

Para o indivíduo, isto significava maior liberdade, tanto religiosa como civil. Diferente do catolicismo, o protestantismo não tinha agência central para monitorar as doutrinas ou as práticas, permitindo assim amplo espectro de opiniões religiosas. Isto, por sua vez, gradualmente promoveu uma tolerância religiosa e atitude liberal que, no tempo da Reforma, ainda era inconcebível.

Maior liberdade liberou energias antes contidas. Alguns afirmam que este era o estímulo que faltava para promover os avanços sociais, políticos e tecnológicos responsáveis por nos lançarem na idade moderna. A ética de trabalho protestante se “traduziu tanto no Governo como na vida diária”, escreve o falecido autor, Theodore White. Ele definiu isto como “o credo de que o homem é responsável diretamente perante Deus por sua consciência e por seus atos, sem a intervenção ou intercessão de sacerdotes. . . . Se o homem trabalhasse arduamente, arasse fundo, não afrouxasse as mãos nem reduzisse o passo, e cuidasse da esposa e dos filhos, então a sorte, ou Deus, recompensaria seus esforços”.

Deveriam estes aspectos aparentemente positivos do protestantismo nos cegar quanto às suas falhas? A Reforma protestante também foi “a ocasião para enormes males”, diz a Encyclopædia of Religion and Ethics (Enciclopédia de Religião e Ética), acrescentando: “A era dos jesuítas e da Inquisição chegou ao fim . . . apenas para ser seguida por algo ainda mais baixo. Se havia muita ignorância honesta na Idade Média, existe muita falsidade organizada hoje em dia.”

“Falsidade Organizada” — Em Que Sentido?

Foi uma “falsidade organizada” porque o protestantismo prometeu a reforma doutrinal, mas não cumpriu o prometido. Muitas vezes, era a diretriz da igreja e não a inveracidade doutrinal, que suscitava a ira dos reformadores. Na maior parte, o protestantismo reteve as idéias e práticas religiosas, salpicadas de paganismo, do catolicismo. Como? Um notável exemplo é a doutrina da Trindade, que é a principal base para se ser membro do protestante Conselho Mundial de igrejas. O apego a tal doutrina é muito forte, embora The Encyclopedia of  Religion (Enciclopédia de Religião) admita que ‘exegetas e teólogos hoje em dia concordam que, em parte alguma da Bíblia, tal doutrina é explicitamente ensinada’.

Será que o protestantismo reformou uma forma corrupta de governo eclesial? Não. Antes, “prosseguiu adotando padrões autoritários do catolicismo medieval”, afirma Martin Marty, e “simplesmente rompeu com a instituição católica romana para formar as versões protestantes”.

O protestantismo também prometeu restaurar “a unidade na fé”. No entanto, esta promessa bíblica deixou de ser cumprida com o surgimento de muitas seitas protestantes divisórias. — Efésios 4:13.

Confusão Organizada — Por Quê?

Atualmente, em 1989, o protestantismo diluiu-se em tantas seitas e denominações que seria impossível determinar o número total delas. Antes de uma pessoa poder terminar de contar, novos grupos se teriam formado, ou outros teriam desaparecido.

Sem embargo, a World Christian Encyclopedia (Enciclopédia Mundial Cristã) faz o “impossível” por dividir a cristandade (em 1980) em “20.780 distintas denominações cristãs”, a ampla maioria das quais são protestantes. Elas incluem 7.889 grupos protestantes clássicos, 10.065 religiões indígenas predominantemente protestantes, não-brancas, 225 denominações anglicanas, e 1.345 grupos protestantes marginais.

Ao explanar como foi que surgiu esta confusa diversidade, chamada tanto de “sinal de saúde como de doença”, o livro Protestant Christianity (Cristianismo Protestante) menciona que “pode ser devido à criatividade humana e à finitude humana; ainda mais, pode ser devido a homens orgulhosos que tenham em demasiada conta sua própria perspectiva na vida”.

Quão verídico! Sem prestar suficiente consideração à verdade divina, homens orgulhosos oferecem novas alternativas para se obter a salvação, a libertação ou a realização pessoal. O pluralismo religioso não encontra apoio algum na Bíblia.

Ao promover o pluralismo religioso, o protestantismo parece dar a entender que Deus não dispõe de orientações fixas quanto ao modo como Ele deva ser adorado. É tal confusão organizada coerente com um Deus da verdade, a respeito do qual a Bíblia diz que ele “não é Deus de desordem, mas de paz”? Existe alguma diferença entre a mentalidade protestante, de que tanto se ouve falar, de a pessoa freqüentar a igreja de sua escolha, e a forma independente de pensar que conduziu Adão e Eva à crença errônea e às dificuldades subseqüentes? — 1 Coríntios 14:33; veja Gênesis 2:9; 3:17-19.

Ignorar a Condição Especial da Bíblia

Apesar da condição especial que os reformadores iniciais atribuíram à Bíblia, os teólogos protestantes mais tarde patrocinaram a alta crítica e, “assim, trataram o texto bíblico”, afirma Marty, “como tratariam qualquer outro texto literário antigo”. Eles não concederam “nenhuma condição especial à inspiração dos autores bíblicos”.

Por questionar a inspiração divina da Bíblia, por conseguinte, os teólogos protestantes minaram a fé naquilo que os reformadores consideravam ser a própria base do protestantismo. Isto abriu caminho para o ceticismo, o livre pensamento, e o racionalismo. Não sem motivos, muitos peritos consideram a Reforma como uma das principais causas do secularismo moderno.

Meteram-se na Política

Os frutos supracitados são uma clara evidência de que, apesar das possíveis boas intenções dos reformadores individuais, e de seus seguidores, o protestantismo não restaurou o verdadeiro cristianismo. Em vez de promover a paz, por meio da neutralidade cristã, o protestantismo se envolveu no nacionalismo.
Isto se evidenciou assim que se tornou realidade a divisão da cristandade em nações católicas e protestantes. As forças católicas e protestantes deixaram um rasto de sangue pela face da Europa continental, ao longo de uma dúzia ou mais de guerras. The New Encyclopædia Britannica (Nova Enciclopédia Britânica) as chama de “Guerras Religiosas atiçadas pela Reforma alemã e suíça dos anos 1520.” A mais notável destas foi a Guerra dos Trinta Anos (1618-48), que envolvia tanto as diferenças políticas como as religiosas entre os protestantes e os católicos alemães.

O sangue também jorrou na Inglaterra. Entre 1642 e 1649, o Rei Carlos I travou guerra contra o Parlamento. Visto que a maioria dos oponentes do Rei pertencia à ala puritana da Igreja Anglicana, a guerra é muitas vezes mencionada como a Revolução Puritana. Terminou com a execução do Rei e com o estabelecimento de uma comunidade puritana momentânea, sob Oliver Cromwell. Embora esta Guerra Civil inglesa não fosse primariamente uma luta religiosa, os historiadores concordam que a religião era um dos fatores determinantes na escolha do lado.

Durante esta guerra, surgiu o grupo religioso conhecido como Amigos, ou Quacres. O grupo enfrentou tenaz oposição de seus “irmãos” protestantes. Várias centenas de membros morreram na prisão, e milhares sofreram indignidades. Mas o movimento se espalhou, até mesmo às colônias britânicas na América, onde, em 1681, Carlos II forneceu uma carta a William Penn para fundar uma colônia quacre, que mais tarde se tornou o estado de Pensilvânia.

Os quacres não eram os únicos que buscavam fazer conversos no exterior, pois outras religiões já haviam feito isso antes. Agora, contudo, depois da “Inovação” protestante, os católicos, junto com grande número de grupos protestantes, começaram a intensificar seus esforços para levar a mensagem da verdade e da paz de Cristo aos “descrentes”. Mas, quão irônico isso era! Como “crentes”, tanto os católicos como os protestantes não conseguiam concordar quanto a uma definição comum da verdade divina. E certamente fracassaram em demonstrar paz e união fraternas. Em vista desta situação, o que se poderia esperar “Quando ‘Cristãos’ e ‘Pagãos’ Se Encontraram”? Leia a parte 18 em nosso próximo número.


Esta obra de referências, editada em 1982, tinha projetado que, em 1985, haveria 22.190, dizendo: “O atual aumento líquido é de 270 novas denominações por ano (5 novas por semana).”

Os Primeiros Filhos da Reforma

  COMUNIDADE ANGLICANA: 25 igrejas autônomas e 6 outros organismos que partilham doutrinas, diretrizes, e liturgia com a Igreja Anglicana, e que reconhecem a liderança titular do Arcebispo de Cantuária. The Encyclopedia of Religion diz que o anglicanismo “mantém a fé na sucessão apostólica dos bispos e retém muitas práticas anteriores à Reforma”. O ponto central de sua adoração é The Book of Common Prayer (O Livro de Liturgia Comum), “a única liturgia no vernáculo do período da Reforma que ainda é usada”. Os anglicanos nos Estados Unidos, que romperam com a Igreja Anglicana e formaram a Igreja Episcopal protestante, em 1789, mais uma vez romperam com a tradição, em fevereiro de 1989, empossando a primeira mulher como bispo da história anglicana.

  IGREJAS BATISTAS: 369 denominações (1970) que a originaram dos anabatistas do século 16, os quais sublinhavam o batismo de adultos por imersão. The Encyclopedia of Religion diz que os batistas têm “achado difícil manter a unidade organizacional ou teológica”, acrescentando que “a família batista nos Estados Unidos é grande, . . . mas, como se dá em muitas outras famílias grandes, alguns membros não falam com outros membros”.

  IGREJAS LUTERANAS: 240 denominações (1970), jactando-se de maior total de membros do que qualquer outro grupo protestante. Acham-se “ainda um tanto divididos no sentido de linhas étnicas (alemães, suecos, etc.)”, afirma The World Almanac and Book of Facts 1988 (Almanaque Mundial e Livro de Fatos 1988), acrescentando, contudo, que as “principais divisões são entre fundamentalistas e liberais”. A divisão dos luteranos em campos nacionalísticos tornou-se bem patente na II Guerra Mundial, quando, como diz E. W. Gritsch, do Seminário Teológico Luterano, dos EUA, “pequena minoria de pastores e congregações luteranos [na Alemanha] resistiram a Hitler, mas a grande maioria dos luteranos permaneceu em silêncio ou cooperou ativamente com o regime nazista”.

  IGREJAS METODISTAS: 188 denominações (1970), que surgiram dum movimento dentro da Igreja Anglicana, fundado em 1738 por John Wesley. Após a morte dele, ela rompeu como grupo separado; Wesley definiu um metodista como “alguém que vive de acordo com o método delineado na Bíblia”.
  IGREJAS REFORMADAS E PRESBITERIANAS: As igrejas reformadas (354 denominações, em 1970) em doutrina são calvinistas, em vez de luteranas, e consideram-se como a “Igreja Católica, reformada”. O termo “presbiteriano” designa um governo eclesial por parte de presbíteros; todas as Igrejas presbiterianas são igrejas reformadas, mas nem todas as igrejas reformadas têm uma forma presbiteriana de governo.

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