sábado, 9 de junho de 2012


 Do século 15 em diante — quando “cristãos” e “pagãos” se encontraram

“A religião deve estar no coração, e não nos joelhos.” — D. W. Jerrold, teatrólogo inglês do século 19.

A ATIVIDADE missionária, um marco distintivo do cristianismo primitivo, harmonizava-se com a ordem de Jesus de ‘fazer discípulos de pessoas de todas as nações’ e de ser testemunhas dele “até à parte mais distante da terra”. — Mateus 28:19, 20; Atos 1:8.

No século 15, a cristandade empreendeu um programa global de conversão dos “pagãos”. Que tipo de religião praticavam estes “pagãos” até aquele tempo? E será que qualquer conversão subseqüente ao “cristianismo” tocou-lhes o coração, ou apenas os fez dobrar os joelhos em submissão formal?

Na África, existem calculadamente 700 grupos étnicos ao sul do Saara. Originalmente, cada um deles possuía sua própria religião tribal, embora as similaridades entre elas revelem uma origem comum. Na Austrália, nas Américas, e nas ilhas do Pacífico, podem-se encontrar dezenas de outras religiões indígenas.
A maioria delas crê num único deus supremo, e, ainda assim, politeisticamente, dão margem a amplo número de deidades menores — deuses da família, do clã, ou comunais. Um estudo da religião asteca alista mais de 60 nomes de deidades distintas e inter-relacionadas.

Na África e nas Américas, pessoas que adotam as mais “primitivas” religiões crêem numa figura sobrenatural conhecida como o Trapaceiro. Às vezes descrito como o criador cósmico, outras vezes como o rearranjador da criação, ele é sempre encarado como figura ardilosamente enganosa e cobiçosa, embora não necessariamente maliciosa. Os índios navajos norte-americanos afirmam que ele ordenou a morte; a tribo de oglala lacota ensina que ele é um anjo decaído que fez com que os primeiros humanos fossem banidos do paraíso por lhes prometer uma vida melhor em outra parte. Diz The Encyclopedia of Religion (Enciclopédia de Religião) que o Trapaceiro muitas vezes aparece em “histórias da criação”, atuando “em oposição a uma deidade-criador espiritual”.

Como reminiscências de Babilônia e do Egito, algumas religiões nativas ensinam uma trindade. O livro The Eskimos (Os Esquimós) afirma que o Espírito do Ar, o Espírito do Mar e o Espírito da Lua formam uma trindade que “em última análise, controlava praticamente tudo no meio ambiente esquimó”.

Humanos — “Espiritualmente Indestrutíveis”

Ronald M. Berndt, da Universidade da Austrália Ocidental, informa-nos que os aborígenes australianos crêem que o ciclo da vida “prossegue depois da morte, do físico para o inteiramente espiritual, retornando, no devido curso, à dimensão física”. Isto significa que “os seres humanos são espiritualmente indestrutíveis”.
Certas tribos africanas acreditam que, depois da morte, as pessoas comuns se tornam fantasmas, ao passo que as pessoas de destaque se tornam espíritos ancestrais, que devem ser honrados e rogados, como líderes invisíveis da comunidade. De acordo com os manus, da Melanésia, o fantasma dum homem ou dum parente próximo continua a supervisionar a sua família.

Alguns índios americanos acreditavam que o número de almas era limitado, necessitando que elas “reencarnassem alternadamente, primeiro num humano, e então quer num ser espiritual, quer num animal”. Explica The Encyclopedia of Religion: “A morte humana liberava uma alma para um animal ou um espírito, e vice-versa, ligando os humanos, os animais e os espíritos num ciclo de mútua dependência”.

Assim, os primeiros exploradores ficaram surpresos de verificar que os pais esquimós eram relapsos em disciplinar seus filhos, até mesmo se dirigindo a eles em termos tais como “mãe” ou “avô”. O autor Ernest S. Burch Jr. explica que isto se dava porque o filho tinha recebido o mesmo nome que o parente indicado pelo termo usado, e um pai esquimó naturalmente “evitava a idéia de castigar sua avó, mesmo que ela tivesse agora se mudado para o corpo de seu filho”.

O “além” era representado por algumas tribos indígenas norte-americanas como um campo de boa caça, para onde tanto os humanos como os animais iam, ao morrer. Ali, eles eram reunidos com os parentes queridos, mas também se viam confrontados com anteriores inimigos. Alguns índios arrancavam o escalpe de seus inimigos, depois de matá-los, pelo visto crendo que isto impedia que os inimigos entrassem no mundo espiritual.

Será que a crença predominante entre as religiões nativas, sobre alguma forma de vida após a morte, prova que a cristandade está certa ao ensinar que os humanos possuem alma imortal? De forma alguma. No Éden, onde a religião verdadeira teve seu início, Deus nada disse a respeito da vida após a morte; ele apresentou a perspectiva de vida eterna em contraste com a morte. A idéia de que a morte é uma porta de acesso para uma vida melhor foi fomentada por Satanás e foi, mais tarde, ensinada na Babilônia.

Necessidades Humanas ou Interesses Divinos?

A ênfase das religiões nativas tende a ser na segurança pessoal, ou no bem-estar comunal. Assim, Ronald Berndt escreve sobre a religião dos primitivos aborígenes australianos: “[Ela] refletia as variáveis preocupações das pessoas na vida cotidiana. Focalizava-se nas relações sociais, nas crises da existência humana, e nas questões práticas de sobrevivência.”

Feitas para lidar apenas com tais necessidades humanas são as formas de adoração conhecidas como animismo, fetichismo, e xamanismo, existentes em várias sociedades, em diversas combinações, e em diferentes graus de intensidade.

O animismo atribui uma vida consciente e um espírito residente aos objetos materiais, tais como plantas e pedras, e até mesmo aos fenômenos naturais, como trovoadas e terremotos. Pode também incluir a idéia de que existem espíritos desencarnados que exercem uma influência, quer benigna, quer maligna, sobre os vivos.

Fetichismo provém duma palavra portuguesa às vezes usada para descrever objetos que se julga possuírem poderes sobrenaturais, e que oferecem a seus donos proteção ou ajuda. Assim, os exploradores portugueses utilizavam o termo para designar os talismãs e os amuletos que eles acharam os africanos ocidentais usando em sua religião. O fetichismo, estando intimamente relacionado com a idolatria, assume muitas formas. Alguns índios americanos, por exemplo, atribuíam poderes sobrenaturais às penas, considerando-as veículos eficazes para fazer “voar” orações ou mensagens em direção ao céu.

O xamanismo, de um termo tunguso-manchu que significa “aquele que sabe”, centraliza-se no xamã, uma pessoa supostamente capaz de curar e de comunicar-se com o domínio espiritual. O pajé, curandeiro, feiticeiro — seja lá qual for a palavra que queira usar — afirma garantir a saúde ou restaurar poderes procriativos. O tratamento talvez exija, como o faz no caso de algumas tribos das florestas sul-americanas, que fure os lábios, o septo nasal, ou os lóbulos das orelhas, que pinte o corpo, ou que use certos adornos. Ou talvez lhe mandem usar estimulantes e narcóticos, tais como o fumo e folhas de coca.

Sendo fracas em doutrinas, as religiões nativas não conseguem transmitir conhecimento exato sobre o Criador. E, por elevarem as necessidades humanas acima dos interesses divinos, elas privam a Ele do que lhe é devido. Assim, à medida que a cristandade começava sua obra missionária moderna, a pergunta que surgiu foi: Será que os “cristãos” poderão atrair os corações “pagãos” para mais perto de Deus?

No século 15, a Espanha e Portugal iniciaram um programa de exploração e de expansão colonial. À medida que tais potências católicas descobriam novas terras, a igreja passou a converter os habitantes nativos delas, condicionando-os a aceitar seu novo governo “cristão”. As bulas papais concediam a Portugal direitos missionários na África e na Ásia. Daí, com o descobrimento da América, o Papa Alexandre VI traçou uma linha imaginária no meio do Atlântico, dando à Espanha direitos a oeste, e a Portugal a leste.

No ínterim, os protestantes estavam muito ocupados, garantindo sua própria posição contra o catolicismo, para pensar em converter outros, nem tinham os reformadores protestantes instado com eles para que fizessem isso. Lutero e Melanchthon criam, pelo visto, que o fim do mundo estava tão próximo que era tarde demais para alcançar os “pagãos”.

No século 17, contudo, um movimento protestante chamado pietismo começou a desenvolver-se. Sendo um produto da Reforma, destacava a experiência religiosa pessoal acima do formalismo e sublinhava a leitura da Bíblia e o compromisso religioso. Sua “visão duma humanidade necessitada do evangelho de Cristo”, como certo escritor o descreveu, por fim ajudou a alçar o protestantismo a bordo do “navio” da atividade missionária em fins do século 18.

De cerca de um quinto da população do mundo, em 1500, a proporção de professos cristãos tinha aumentado para cerca de um quarto, por volta de 1800, e para cerca de uma pessoa em cada três, em 1900. Um terço do mundo era então considerado “cristão”!

Fizeram Realmente Discípulos Cristãos?

Vestígios da verdade, encontrados nas religiões nativas, são ofuscados pelos muitos elementos de falsidade babilônica, mas isto se dá igualmente com o cristianismo apostatado. Assim, esta herança religiosa comum fez com que fosse muito fácil os “pagãos” se tornarem “cristãos”. O livro The Mythology of All Races (A Mitologia de Todas as Raças) afirma: “Nenhuma região da América parece ter fornecido tantas, ou tão notáveis analogias, ao ritual e ao simbolismo cristãos como fez a dos maias.” A veneração da cruz e outras similaridades de ritual “promoveram a mudança de religião, com um mínimo de fricção”.

Os africanos — por cerca de 450 anos regularmente seqüestrados pelos “cristãos” e trazidos para o Novo Mundo, para servirem de escravos — também puderam mudar de religião “com um mínimo de fricção”. Visto que os “cristãos” veneravam os falecidos “santos” europeus, que objeção se poderia mencionar contra a adoração dos espíritos dos ancestrais africanos por parte dos “cristãos pagãos”? Assim, The Encyclopedia of Religion comenta: “O vodu . . . , uma religião sincretista ajuntada das religiões da África Ocidental, da feitiçaria, da religião cristã, e do folclore . . . , tem-se tornado a real religião de muitos no Haiti, inclusive daqueles que são católicos nominais”.

O Concise Dictionary of the Christian World Mission (Dicionário Conciso da Missão Cristã Mundial) admite que a conversão da América Latina e das Filipinas foi muito superficial, acrescentando que “o Cristianismo destas regiões, hoje em dia, é crivado de superstição e de ignorância”. Para os astecas, os maias e os incas, “a ‘conversão’ simplesmente significava a adição de mais uma deidade ao seu panteão”.
A respeito dos povos akan de Gana e da Côte d’Ivoire, Michelle Gilbert, do Museu Peabody de História Natural, diz: “A religião tradicional prossegue porque, para a maioria das pessoas, ela é entendida como o mais eficaz sistema de crença, um sistema que continua a dotar o mundo de significado.”

M. F. C. Bourdillon, da Universidade de Zimbábue, fala da “mobilidade religiosa” entre os membros da religião chona, explicando: “As várias formas de Cristianismo, junto com os vários cultos tradicionais, provêem todos um conjunto de respostas religiosas dentre as quais um indivíduo pode escolher, dependendo das necessidades dele ou dela naquele momento.”

Mas, se os “cristãos pagãos” se caracterizam pela superficialidade, ignorância, superstição e politeísmo; se julgam as religiões tradicionais como mais eficazes do que o cristianismo; se consideram a religião apenas uma questão de conveniência ou de oportunismo, permitindo que mudem de uma para outra conforme as circunstâncias determinem, diria o leitor que a cristandade fez verdadeiros discípulos cristãos?

Se não São Discípulos, O Que São?

Na verdade, os missionários da cristandade estabeleceram centenas de escolas para educar os analfabetos. Construíram hospitais para curar os doentes. E, até certo ponto, promoveram o respeito pela Bíblia e seus princípios.

Mas, será que os “pagãos” foram nutridos com alimento espiritual sólido da Palavra de Deus, ou apenas com as migalhas do cristianismo apóstata? Foram rejeitadas as crenças e as práticas “pagãs”, ou apenas envoltas em trajes “cristãos”? Em suma, têm os missionários da cristandade ganhado corações para Deus ou apenas obrigado os joelhos “pagãos” a dobrar-se diante de altares “cristãos”?

Uma pessoa que se converteu ao cristianismo apóstata acrescenta a seus anteriores pecados de ignorância os novos pecados do cristianismo hipócrita, desta forma duplicando sua carga de culpa. Assim, para a cristandade, são apropriadas as palavras de Jesus: “Vós percorreis de uma parte para outra o mar e a terra, para fazerdes um único converso, e, então, vós o tornais duas vezes mais propício para a destruição do que vós mesmos.” — Mateus 23:15, Phillips.

A cristandade tem claramente falhado em enfrentar o desafio de fazer discípulos cristãos. Tem ela agido melhor ao enfrentar o desafio da mudança mundial? Em nossa próxima edição, o artigo “A Cristandade Tenta Sobrepor-se às Mudanças Mundiais” responderá essa pergunta.

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