sábado, 9 de junho de 2012



 Do século 9 ao 16 EC — uma religião que precisava urgentemente de reforma

“Todo abuso precisa ser reformado.” — Voltaire, ensaísta e historiador francês do século 18.

OS CRISTÃOS primitivos não ensinavam o purgatório, não adoravam imagens, não honravam a quaisquer “santos” e não veneravam nenhuma relíquia. Não se empenhavam na política e não recorriam à guerra carnal. Mas, por volta do século 15, nada disso se aplicava mais a muitos dos que professavam ser imitadores deles.

“Hereges” Exigem Reforma

“As primeiras sementes da heresia [contra o catolicismo romano] surgiram na França e no norte da Itália, por volta do ano 1000”, afirma The Collins Atlas of World History (Atlas Collins da História Universal). Alguns dos chamados hereges iniciais só eram hereges aos olhos da igreja. É difícil, hoje, julgar com exatidão até que ponto os hereges individuais aderiam ao cristianismo primitivo. Todavia, é evidente que pelo menos alguns deles tentavam fazê-lo.

No início do novo século, o Arcebispo Agobard, de Lião, condenou a adoração de imagens e a invocação dos “santos”. Um arquidiácono do século 11, Berengário, de Tours, foi excomungado por questionar a transubstanciação, a afirmação de que o pão e o vinho utilizados na Missa católica se transformam no corpo e no sangue reais de Cristo. Um século depois, Pedro de Bruys e Henrique de Lausanne rejeitaram o batismo de bebês e a adoração da cruz. Por assim fazer, Henrique perdeu sua liberdade; Pedro perdeu a vida.

“Havia, em meados do século XII, considerável número de seitas heréticas nas cidades da Europa ocidental”, relata o historiador Will Durant. O mais significativo destes grupos era o dos valdenses. Eles se destacaram no fim do século 12 sob o mercador francês Pierre Valdès (Pedro Valdo). Entre outras coisas, discordavam da igreja quanto à adoração de Maria, a confissão aos sacerdotes, as Missas em favor dos mortos, as indulgências papais, o celibato sacerdotal, e o emprego de armas carnais. O movimento prontamente se espalhou por toda a França e o norte da Itália, bem como em Flandres, Alemanha, Áustria e Boêmia (Tchecoslováquia).

No ínterim, na Inglaterra, John Wycliffe, perito da Universidade de Oxford, mais tarde conhecido como “a estrela da manhã da Reforma inglesa”, condenava ‘a hierarquia ávida de poder’ do século 14. Por traduzir a Bíblia toda para o inglês, ele e seus associados a tornaram, pela primeira vez, disponível em geral aos cidadãos comuns. Os seguidores de Wycliffe foram chamados de lollardos. Os lollardos pregavam publicamente, distribuindo tratados e partes da Bíblia. Tal comportamento “herege” não agradava a igreja.
As idéias de Wycliffe foram divulgadas no exterior. Na Boêmia, elas captaram a atenção de Jan Hus (João Huss), reitor da Universidade de Praga. Huss questionava a legitimidade do papado e negava que a igreja tivesse sido fundada sobre Pedro. Depois duma controvérsia sobre a venda de indulgências, Huss foi julgado sob a acusação de heresia e queimado vivo na estaca, em 1415. De acordo com o ensino católico, as indulgências são uma provisão pela qual os castigos pelos pecados podem ser parcial ou totalmente redimidos, desta forma se abreviando ou eliminando o período de tempo em que a pessoa sofre castigo e purificação temporários no purgatório, antes de entrar no céu.

As exigências de reforma prosseguiram. Girolamo Savonarola, pregador dominicano italiano, do século 15, deplorava: ‘Os Papas e os prelados falam contra o orgulho e a ambição, e eles estão mergulhados neles até as orelhas. Pregam a castidade e mantêm amantes. Só pensam no mundo e nas coisas mundanas; não se preocupam nada com as almas.’ Até mesmo cardeais católicos reconheciam o problema. Em 1538, num memorando enviado ao Papa Paulo III, eles trouxeram à atenção dele os abusos paroquiais, financeiros, judiciais e morais. Mas o papado deixou de fazer as reformas patentemente necessárias, e isto provocou a Reforma protestante. Os primitivos líderes incluíam Martinho Lutero, Huldrych Zwingli, e João Calvino.
Lutero e o ‘Bingo do Século 16’

Em 31 de outubro de 1517, Lutero pôs fogo ao mundo religioso por pregar uma lista de 95 pontos de protesto — inclusive um sobre a venda de indulgências — na porta da igreja em Wittenberg.

A venda de indulgências teve origem durante as Cruzadas, quando elas eram concedidas aos crentes dispostos a arriscar a vida numa guerra “santa”. Mais tarde, foram estendidas a pessoas que davam apoio financeiro à igreja. Não demorou para que as indulgências se tornassem um método conveniente de angariar fundos para a construção de igrejas, mosteiros ou hospitais. “Os monumentos mais nobres da Idade Média foram financiados desta forma”, afirma Roland Bainton, professor de história religiosa, chamando as indulgências de “o bingo do século dezesseis”.

Lutero, com a língua afiada pela qual se tornou famoso, perguntou: “Se o papa possui realmente poder para liberar quem quer que seja do purgatório [à base de indulgências], por que, em nome do amor, ele não abole o purgatório por deixar todo o mundo sair de lá?” Quando lhe pediram que contribuísse para um projeto de construção romano, Lutero redarguiu que o papa “faria melhor se vendesse a basílica de São Pedro e desse o dinheiro aos pobres, que estão sendo tosquiados pelos vendedores de indulgências”.
Lutero também atacou o anti-semitismo católico, aconselhando: “Devemos usar, para com os judeus, não a lei do papa, mas a lei do amor de Cristo.” E, a respeito da adoração de relíquias, ele zombou: “Alguém afirma ter uma pena da asa do anjo Gabriel, e o Bispo de Mainz (Mongúncia) tem uma chama proveniente da sarça ardente de Moisés. E como é possível que dezoito apóstolos estejam sepultados na Alemanha quando Cristo só tinha doze?”

A igreja respondeu aos ataques de Lutero com a excomunhão. O Imperador do Santo Império Romano, Carlos V, cedendo à pressão papal, proscreveu Lutero. Isto gerou tão grande controvérsia que, em 1530, foi convocada a Dieta de Augsburgo, para debater o assunto. Fracassaram os esforços de conciliação, de modo que, por fim, foi lançada uma declaração básica da crença doutrinal luterana. Chamada de Confissão de Augsburgo, ela equivalia ao anúncio de nascimento da primeira igreja do protestantismo.

Zwingli e Lutero Discordam

Zwingli destacava a Bíblia como a autoridade derradeira e única para a igreja. Embora incentivado pelo exemplo de Lutero, ele objetava ser chamado de luterano, dizendo que aprendera o ensino de Cristo da Palavra de Deus, e não de Lutero. Com efeito, ele discordava de Lutero sobre certos elementos da Refeição Noturna do Senhor, bem como sobre o relacionamento correto do cristão para com as autoridades civis.

Os dois reformadores só se encontraram uma vez, em 1529, naquilo que o livro The Reformation Crisis (A Crise da Reforma) chama de “uma espécie de conferência de cúpula religiosa”. Diz o livro: “Os dois homens não se despediram como amigos, mas. . . um comunicado emitido no fim da conferência, assinado por todos os participantes, ocultava peritamente a extensão da brecha entre eles.”

Zwingli também teve problemas com seus próprios seguidores. Em 1525, um grupo tornou-se dissidente, discordando dele na questão da autoridade do Estado sobre a Igreja, que ele afirmava e eles rejeitavam. Chamados de anabatistas (“rebatizadores”), eles consideravam o batismo de bebês uma formalidade inútil, afirmando que o batismo era apenas para os crentes adultos. Eles também se opunham ao emprego de armas carnais, mesmo nas chamadas guerras justas. Milhares deles foram mortos devido às suas crenças.

O Papel de Calvino na Reforma

Muitos peritos consideram Calvino como o maior dos reformadores. Ele insistia que a igreja voltasse aos princípios originais do cristianismo. Todavia, um dos seus ensinos principais, a predestinação, faz-nos lembrar os ensinos da antiga Grécia, onde os estóicos diziam que Zeus determinava todas as coisas e que os homens tinham de resignar-se ao inevitável. É evidente que tal doutrina não é cristã.

Nos dias de Calvino, os protestantes franceses tornaram-se conhecidos como huguenotes, e eles foram duramente perseguidos. Na França, a partir de 24 de agosto de 1572, no Massacre do Dia de São Bartolomeu, as forças católicas abateram milhares deles, primeiro em Paris, e, em seguida, por todo o país. Mas os huguenotes também tomaram da espada e foram responsáveis pela matança de muita gente nas sangrentas guerras religiosas ocorridas na última parte do século 16. Assim, eles preferiram ignorar a instrução dada por Jesus: “Continuai a amar os vossos inimigos e a orar pelos que vos perseguem.” — Mateus 5:44.

Calvino tinha dado o exemplo, usando métodos para promover suas convicções religiosas que o falecido clérigo protestante Harry Emerson Fosdick descreveu como implacáveis e chocantes. Sob a lei canônica que Calvino introduziu em Genebra, 58 pessoas foram executadas e 76 foram banidas em questão de quatro anos; já no fim do século 16, calculadamente 150 pessoas tinham sido queimadas vivas na estaca. Uma delas foi Miguel Servet, médico e teólogo espanhol, que rejeitava a doutrina da Trindade, desta forma tornando-se o “herege” visado por cada um. As autoridades católicas o queimaram em efígie; os protestantes foram um passo significativo além, queimando-o vivo na estaca.

Por Fim, “Uma Realidade Temível”

Ao passo que concordavam com Lutero, em princípio, alguns dos supostos reformadores relutavam em agir. Um deles era o perito holandês Desidério Erasmo. Em 1516, ele se tornou o primeiro a editar o “Novo Testamento” no grego original. “Ele foi um reformador”, diz a publicação Edinburgh Review (Sumário de Edimburgo), “até que a Reforma se tornou uma realidade temível”.

Outros, contudo, foram adiante com a Reforma, e, na Alemanha e na Escandinávia, o luteranismo espalhou-se rapidamente. Em 1534, a Inglaterra desvencilhou-se do controle papal. A Escócia, sob John Knox, um líder da Reforma, logo a seguiu. Na França e na Polônia, o protestantismo obteve o reconhecimento legal antes de findar o século 16.

Sim, assim como Voltaire afirmara com tanta aptidão: “Todo abuso precisa ser reformado.” Mas Voltaire acrescentou as seguintes palavras qualificativas: “A menos que a reforma seja mais perigosa do que o abuso em si.” A fim de avaliar melhor a veracidade dessas palavras, certifique-se de ler “Protestantismo — É Realmente Uma Reforma?” em nosso próximo número.


Para obter evidência de que tais doutrinas e práticas eram desconhecidas dos cristãos primitivos, veja Raciocínios à Base das Escrituras, editado pela Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, sob os assuntos “Batismo”, “Confissão”, “Cruz”, “Destino”, “Imagens”, “Maria”, “Missa”, “Neutralidade”, “Santos” e “Sucessão Apostólica”.


Significativamente, o termo “protestante” foi primeiramente aplicado na Dieta de Speyer, de 1529, aos seguidores de Lutero, que protestaram contra um decreto que concedia maior liberdade religiosa aos católicos do que a eles.


Martinho Lutero, nasceu na Alemanha em 1483, foi ordenado sacerdote aos 23 anos, estudou teologia na Universidade de Wittenberg, tornou-se professor de Escritura Sagrada em Wittenberg, em 1512, e morreu aos 62 anos.

Huldrych Zwingli, nasceu na Suíça cerca de dois meses depois de Lutero, foi ordenado sacerdote em 1506, e morreu em batalha aos 47 anos, como capelão protestante.

Kunstmuseum, Winterthur
João Calvino, nasceu 25 anos depois de Lutero e Zwingli, mudou-se, quando rapaz, da França para a Suíça, estabeleceu uma virtual igreja-estado em Genebra, e morreu aos 54 anos.

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