sábado, 9 de junho de 2012



Parte 15: 1095-1453 EC — recorrer à espada

“Os homens altercam pela religião; escrevem por ela; lutam por ela; fazem tudo, menos viver por ela.” — Charles Caleb Colton, clérigo inglês do século 19.

O CRISTIANISMO, em seus primeiros anos, foi abençoado com crentes que viviam mesmo sua religião. Em defesa de sua fé, eles zelosamente brandiam “a espada do espírito, isto é, a palavra de Deus”. (Efésios 6:17) Mais tarde, porém, conforme ilustrado pelos eventos ocorridos entre 1095 e 1453, os cristãos nominais, que não viviam o verdadeiro cristianismo, recorreram a outros tipos de espada.

Por volta do sexto século, o Império Romano do Ocidente já estava destroçado. Tinha sido substituído pelo seu correspondente oriental, o Império Bizantino, tendo por capital Constantinopla. Mas suas respectivas igrejas, padecendo das mais estremecidas das relações, logo se viram ameaçadas por um inimigo comum, o domínio islâmico, que rapidamente se expandia.

A igreja Oriental compreendeu isto, no mais tardar, quando os muçulmanos, no sétimo século, capturaram o Egito e outras partes do império Bizantino, situadas na África do Norte.

Menos de um século depois, a Igreja Ocidental ficou chocada de ver o islã atravessar a Espanha, e penetrar na França, chegando a cerca de 160 quilômetros de Paris. Muitos católicos espanhóis converteram-se ao Islã, ao passo que outros adotaram costumes muçulmanos e abraçaram a cultura islâmica. “Amargurada com suas perdas”, afirma o livro Early Islam (O Islã Primitivo), “a Igreja trabalhava incessantemente, entre seus filhos espanhóis, para atiçar as chamas da vingança”.

Séculos depois, depois que os católicos espanhóis recuperaram a maior parte de suas terras, eles “se voltaram contra seus súditos muçulmanos e os perseguiram sem misericórdia. Obrigaram-nos a negar sua fé, expulsaram-nos do país, e tomaram medidas drásticas para desarraigar qualquer vestígio da cultura hispânico-islâmica ”.

Disposta a Lutar

Em 1095, o Papa Urbano II concitou os católicos europeus a tomar a espada literal. O Islã deveria ser deposto das terras santas do Oriente Médio, às quais a cristandade pretendia ter direitos exclusivos.
A idéia de uma guerra “justa” não era nova. Por exemplo, ela fora invocada na luta contra os muçulmanos da Espanha e da Sicília. E, pelo menos uma década antes do apelo de Urbano, afirma Karlfried Froehlich, do Seminário Teológico de Princeton, o Papa Gregório VII “visualizou uma militia Christi para lutar contra todos os inimigos de Deus, e já pensara em enviar um exército ao Oriente”.

A medida proposta por Urbano se devia, em parte, à resposta a um pedido de ajuda do imperador bizantino Aleixo. Mas visto que as relações entre as partes Oriental e Ocidental da cristandade pareciam estar melhorando, o papa também pode ter sido motivado pela possibilidade que isto oferecia de reunir as discordantes igrejas irmãs. De qualquer modo, ele convocou o Concílio de Clermont, que declarou que aqueles dispostos a empenhar-se neste empreendimento “sagrado” deviam receber indulgência plenária (a remissão de todos os castigos devidos ao pecado). A reação foi inesperadamente positiva. “Deus volt” (“Deus o quer!”) tornou-se o brado de guerra no Oriente e no Ocidente.

Iniciou-se uma série de expedições militares que abrangeu a maior parte de dois séculos.  De início, os muçulmanos pensavam que os intrusos eram bizantinos. Mas depois de compreenderem sua verdadeira origem, eles os chamaram de francos, o povo germânico do qual a França, mais tarde, derivou seu nome. Para enfrentar o desafio destes “bárbaros” europeus, cresceu entre os muçulmanos o sentimento de se fazer uma jihad, uma guerra ou luta santa.

O professor britânico Desmond Stewart aponta: “Para cada perito ou mercador que plantava as sementes da civilização islâmica por preceito e por exemplo, havia um soldado para o qual o islã era uma convocação para batalha.” Já na segunda metade do século 12, o líder muçulmano Nureddin tinha montado eficiente força militar por unificar os muçulmanos no norte da Síria e da Alta Mesopotâmia. Assim, “exatamente como os cristãos da Idade Média tomaram armas para promover a religião de Cristo”, prossegue Stewart, “os muçulmanos tomaram armas para promover a religião do Profeta”.

Naturalmente, a força motivadora nem sempre era promover as causas da religião. O livro The Birth of Europe (O Nascimento da Europa) comenta que, para a maioria dos europeus, as Cruzadas “ofereciam irresistível oportunidade de granjear fama, ou de fazer pilhagem, ou de moldar novos Estados, ou de governar países inteiros — ou somente de escapar da monotonia por meio de gloriosas aventuras”. Os mercadores italianos também viram uma oportunidade de estabelecer entrepostos comerciais nas terras do Mediterrâneo oriental. Mas não importa qual o motivo, todos, pelo visto, estavam dispostos a morrer por sua religião quer numa guerra “justa” da cristandade, quer numa jihad islâmica.

A Espada Traz Inesperados Resultados

“Embora as Cruzadas fossem dirigidas contra os muçulmanos no Oriente”, afirma The Encyclopedia of Religion (Enciclopédia de Religião), “o zelo dos cruzados foi exercido contra os judeus que moravam nos países de onde os cruzados foram recrutados, isto é, na Europa. Um lema popular entre os cruzados era a vingança pela morte de Jesus, e os judeus tornaram-se as primeiras vítimas. A perseguição contra os judeus ocorreu em Rouen, em 1096, seguida rapidamente por massacres em Worms, Mainz (Mogúncia) e Colônia.” Isto foi um precursor do espírito anti-semita dos dias do Holocausto da Alemanha nazista.
Os cruzados também aumentaram a tensão Leste-Oeste que crescia desde 1054, quando o Patriarca Miguel Cerulário, do Oriente, e o Cardeal Humberto, do Ocidente, excomungaram-se um ao outro. Quando os cruzados substituíram os clérigos gregos por bispos latinos nas cidades capturadas, o cisma Leste-Oeste veio a envolver o povo comum.

O rompimento entre as duas igrejas tornou-se completo durante a Quarta Cruzada, quando, de acordo com o ex-cânone anglicano de Canterbury (Cantuária), Herbert Waddams, o Papa Inocêncio III fez um “jogo duplo”. Por um lado, o papa mostrou-se indignado com o saque de Constantinopla. (Veja quadro na página 24.) Escreveu ele: “Como se pode esperar que a Igreja dos Gregos retorne à devoção da Sé Apostólica quando vê os latinos darem um exemplo de maldade e de fazer a obra do diabo, de modo que já agora, e com boa razão, os gregos os odeiam mais que aos cães.” Por outro lado, ele prontamente se aproveitou da situação por estabelecer um reino latino ali, sob um patriarca ocidental.

Depois de dois séculos de quase contínuas lutas, o Império Bizantino ficou tão debilitado que não conseguiu suportar as incursões dos turcos otomanos, os quais, em 29 de maio de 1453, finalmente capturaram Constantinopla. O império tinha sido derrubado, não apenas por uma espada islâmica, mas também pela espada brandida pela igreja-irmã do império, situada em Roma. A cristandade dividida tinha dado ao islã uma base conveniente para penetrar na Europa.

As Espadas da Política e da Perseguição

As Cruzadas fortaleceram a posição do papado no que tangia à liderança religiosa e política. Elas “deram aos papas um poder de controle sobre a diplomacia européia”, escreve o historiador John H. Mundy. Não demorou muito para que “a igreja fosse o maior governo da Europa . . . [capaz] de brandir mais poder político do que qualquer outro governo ocidental”.

Esta ascensão ao poder tornara-se possível quando o Império Romano do Ocidente entrou em colapso. A igreja ficou sendo o único poder unificador no Ocidente, e, por conseguinte, começou a desempenhar um papel político mais ativo na sociedade do que a Igreja Oriental, a qual, naquele tempo, ainda se achava sob forte governante secular, o imperador bizantino. A eminência política da igreja Ocidental dava crédito à sua pretensão do primado papal, idéia rejeitada pela igreja Oriental. Ao passo que admitia que o papa merecia honra, a igreja Oriental discordava de ser ele a autoridade final em questões de doutrina ou de jurisdição.
A Igreja Católica Romana, movida pelo poder político e por desorientada convicção religiosa, recorreu à espada para eliminar a oposição. A caça aos hereges tornou-se seu negócio. Os professores de História, Miroslav Hroch e Anna Skýbová, da Universidade de Karls, em Praga, Tchecoslováquia, descrevem como operava a inquisição, o tribunal especial que visava lidar com as heresias: “Contrário ao costume geral, os nomes dos informantes . . . não precisavam ser revelados.” O Papa Inocêncio IV lançou a bula “Ad extirpanda”, em 1252, que permitia a tortura. “Ser queimado vivo na estaca, o método usual empregado para matar os hereges, já no século 13, . . . tinha o seu simbolismo, dando a entender que a igreja, por ministrar tal tipo de castigo, não era culpada de derramar sangue.”

Os inquisidores castigaram dezenas de milhares de pessoas. Outros milhares foram queimados na estaca, levando o historiador Will Durant a comentar: “Dando-se o desconto devido ao historiador e permitido a um cristão, cumpre-nos colocar a Inquisição . . . no rol das manchas mais negras de que há registro na História, revelando uma ferocidade que se desconhece em qualquer animal selvagem.”

Os eventos da Inquisição fazem lembrar as palavras de Blaise Pascal, um filósofo e cientista francês do século 17, que escreveu: “Os homens jamais praticam o mal tão completa e alegremente como quando o fazem por convicção religiosa.” Na verdade, brandir a espada da perseguição contra pessoas de diferente convicção religiosa tem sido uma característica da religião falsa desde que Caim abateu violentamente a Abel. — Gênesis 4:8.

Dividida Pela Espada da Desunião

A dissensão nacionalística e as manobras políticas levaram, em 1309, à transferência da residência papal de Roma para Avinhão. Embora restaurada para Roma em 1377, contendas adicionais surgiram logo depois com a escolha dum novo papa, Urbano VI. Contudo, o mesmo grupo de cardeais que o elegeu também elegeu um papa rival, Clemente VII, que se fixou em Avinhão. As coisas tornaram-se ainda mais confusas com o início do século 15, quando, por um breve período, três papas governavam simultaneamente.

Esta situação, conhecida como o Cisma do Ocidente, ou o Grande Cisma, terminou com o Concílio de Constança. Este invocava o princípio do “movimento conciliar”, a teoria de que a derradeira autoridade eclesiástica reside nos concílios gerais, e não no papado. Assim, em 1417, o concílio pôde eleger Martinho V como novo papa. Embora unificada de novo, a igreja tinha ficado gravemente debilitada. Apesar das cicatrizes, contudo, o papado recusou-se a reconhecer qualquer necessidade de reforma. De acordo com John L. Boojamra, do Seminário Teológico Ortodoxo de São Vladimir, esta falha “constituiu a base para a Reforma do século dezesseis”.

Vivenciavam Sua Religião?

O Fundador do cristianismo instruiu seus seguidores a fazer discípulos, mas não lhes mandou empregar força física para fazê-lo. Com efeito, ele os avisou especificamente de que “todos os que tomarem a espada perecerão pela espada”. Similarmente, ele não instruiu seus seguidores a cometer abusos físicos contra qualquer pessoa que não mostrasse disposição favorável. O princípio cristão a ser observado era: “O escravo do Senhor não precisa lutar, porém, precisa ser meigo para com todos, qualificado para ensinar, restringindo-se sob o mal, instruindo com brandura os que não estiverem favoravelmente dispostos.” — Mateus 26:52; 2 Timóteo 2:24, 25.

A cristandade, por recorrer à espada literal da guerra, bem como às espadas simbólicas da política e da perseguição, evidentemente não estava seguindo a liderança Daquele que ela professava ter como seu Fundador. Já destroçada pela desunião, ela estava ameaçada de colapso total. O catolicismo romano era “Uma Religião Que Precisava Urgentemente de Reforma”. Mas, aconteceria tal reforma? Se assim fosse, quando? Da parte de quem? Nossa edição de 22 de agosto nos falará mais sobre isso.

O cemitério judeu em Worms, na Alemanha — um lembrete da Primeira Cruzada.

Bom Combate Cristão?

  Eram as Cruzadas o bom combate que os cristãos foram instruídos a travar? — 2 Coríntios 10:3, 4; 1 Timóteo 1:18.

  A Primeira Cruzada (1096-99) resultou na recaptura de Jerusalém e no estabelecimento de quatro estados latinos no Oriente: O Reino de Jerusalém, o Condado de Edessa, o Principado de Antioquia e o Condado de Trípoli. Uma autoridade citada pelo historiador H. G. Wells afirma sobre a captura de Jerusalém: “A carnificina foi terrível; o sangue dos vencidos correu pelas ruas, a ponto de os cavalos espadanarem sangue em sua marcha. Ao cair da noite, ‘soluçando por excesso de alegria’, os cruzados foram até ao Sepulcro e juntaram as suas mãos manchadas de sangue em oração.”

  A Segunda Cruzada (1147-49) teve início devido à perda do Condado de Edessa diante dos muçulmanos sírios em 1144; terminou quando os muçulmanos rechaçaram com êxito os “infiéis” da cristandade.

  A Terceira Cruzada (1189-92), realizada depois de os muçulmanos retomarem Jerusalém, teve como um dos seus líderes Ricardo I, “Coração de Leão”, da Inglaterra. Ela logo “desintegrou-se”, afirma The Encyclopedia of Religion, “pelos atritos, brigas e falta de cooperação”.

  A Quarta Cruzada (1202-4) foi desviada, por falta de fundos, do Egito para Constantinopla; prometeu-se ajuda material, em troca de ajuda para entronizar Aleixo, um exilado pretendente bizantino ao trono. “O [resultante] saque de Constantinopla pelos cruzados é algo que o Oriente Ortodoxo jamais esqueceu, nem perdoou”, afirma The Encyclopedia of Religion, acrescentando: “Se havemos de citar alguma data singular para o firme estabelecimento do cisma, a mais apropriada — pelo menos de um ponto de vista psicológico — é o ano de 1204.”

  A Cruzada das Crianças (1212) trouxe a morte de milhares de crianças alemãs e francesas, antes de sequer alcançarem sua destinação.

  A Quinta Cruzada (1217-21), a última sob controle papal, fracassou devido a liderança falha e à intervenção do clero.

  A Sexta Cruzada (1228-29) foi liderada pelo Imperador Frederico II, de Hohenstaufen, a quem o Papa Gregório IX havia anteriormente excomungado.

  A Sétima e a Oitava Cruzadas (1248-54 e 1270-72) foram lideradas por Luís IX, da França, mas malograram depois de sua morte na África do Norte.

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